Quando o Canalha Não Ama, Destrói

Ou: A Psicologia da Apropriação Indébita

Quando o Canalha Não Ama, Destrói

Não há bem mais sublimado que aquele subtraído pelo larápio.
Ao menor risco de que o objeto retorne ao verdadeiro dono, o canalha mente, esperneia, inventa versões, simula propriedade. Faz de tudo para provar que lhe pertence — ou, ao menos, que sempre lhe pertenceu.
E quando já não consegue convencer ninguém, opta por destruir o que roubou. Não para apagar vestígios, mas por despeito. Por raiva de não poder amar o que não é seu.

A mente canalha não suporta a restituição.
Não apenas porque ela denuncia o crime, mas porque desfaz a fantasia. Ao tomar algo que não lhe pertence, o canalha cria uma identidade — um nome, uma função, uma aura de prestígio. Quando o bem é contestado, a máscara cai. E com ela, o delírio de posse. O canalha, então, prefere destruir a devolver. E faz isso com gosto: com o prazer perverso de quem pune o mundo por não mais se curvar à sua farsa.

Freud talvez chamasse isso de “narcisismo das pequenas diferenças”, mas aqui o abismo é maior: não se trata de diferença, mas de usurpação. Melanie Klein talvez visse a atuação da posição esquizo-paranoide: o canalha divide o mundo entre o que ele pode sugar — e o que ele deve exterminar. Se não é objeto de uso, é inimigo. Se resiste, vira ameaça.

Rouba ideias e refabrica-as com sua assinatura. Rouba pessoas, tentando moldá-las ao seu script emocional. Rouba espaço simbólico e real, até que os outros se sintam estranhos em sua própria casa.

Rouba, e ainda exige gratidão.
O canalha, como Saturno, devora o que ele mesmo gerou — pois jamais amou o que tomou. Apenas quis usá-lo como espelho de si mesmo.

Na vida pública, é o gestor que manipula estatísticas, queima arquivos, desmoraliza os que poderiam herdar seu cargo. Na vida privada, é o amante que, diante da rejeição, tenta arruinar a vida de quem não mais o adula. No plano internacional, é o império que, ao perder colônias, explode pontes, mina territórios, destrói o que não pode mais controlar.

George W. Bush invadindo o Iraque foi o canalha com bandeira.
Sabia que não havia armas químicas. Sabia que o país não tinha ligação com o 11 de setembro. Mas precisava justificar sua sede de domínio. Não podendo mais moldar o mundo ao seu imaginário de império incontestável, preferiu quebrar o tabuleiro. O que era petróleo virou deserto; o que era povo virou escombros. Não por ignorância — mas por raiva. Por ressentimento. Por saber que o mundo real já não obedecia ao script de Washington.

O canalha é incapaz de partilhar. Tudo o que ele não pode possuir, ele destrói. Tudo o que ele não pode consumir, ele contamina. Tudo o que ele não consegue compreender, ele silencia.

Ele não crê em beleza, justiça ou verdade — apenas em propriedade, domínio e performance.

Por isso, a raiva do canalha é termonuclear. Ele não aceita perder. Não aceita devolver. E não aceita que o mundo continue após a sua derrota.

Vale tanto para o pequeno batedor de carteira quanto para o mandatário de uma grande nação que perdeu um pedaço do mundo: se não posso mais ter, que ninguém tenha.
Se não sou mais o centro, que o centro exploda. Se fui desmascarado, que reste só fumaça.

Eis o intento deste livreto, afinal: mostrar como o fim do mundo já começou — e não pelas mãos dos estúpidos, mas dos canalhas inconformados.