Reflexão em chave jurídico-crítica sobre a incidência da conduta canalha nas mais altas esferas do poder.
A presente análise tem por finalidade demonstrar que a percentagem de conduta canalha atribuída à humanidade — cerca de 50%, por hipótese — manifesta-se de forma equânime
em todos os extratos sociais, inclusive naqueles que percebem os mais elevados subsídios do Estado. Ao invés de refrear a canalhice, a alta remuneração freqüentemente a fomenta.
Em episódio recente, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, verificou-se que um Ministro relator, investido de salvador da pátria, empenhou-se em responsabilizar penalmente
determinados acusados. O julgamento, contudo, sendo colegiado, revelou divergência: houve um magistrado que se posicionou abertamente favoravelmente aos réus, ignorando provas robustas.
Entre os delitos imputados, destacou-se o plano criminoso de atentar contra a vida de um magistrado (o próprio relator). Coloca-se, então, a primeira indagação ético-jurídica:
poderia um juiz, qualquer, em tais circunstâncias, exercer jurisdição de forma imparcial e sem vieses classistas? A resposta, ainda que paradoxal, é afirmativa: não por força de
virtude, mas pela exigência constitucional de imparcialidade, única via legítima de atuação. Um juiz não pode transferir sua função ou o julgamento para um não-juiz.
"A história de todas as sociedades é a história das lutas de classes." — Karl Marx
Surge, então, o problema: por que o magistrado que votou em favor dos acusados agiu dessa forma? Pretendia ele resguardar um suposto equilíbrio de classes? Ou, numa leitura
marxiniana, estaria atuando como representante de uma classe marginalizada, em defesa de seus semelhantes (os marginais)?
. Estaria com medo?
. Inveja da vasta cabeleira que o relator não ostenta e, diferente dele, não se constrange por isso?
. Incomodou-se com a inusual coragem apresentada pelo relator agora internacionalmente conhecido?
. Desinteligência? O texto, que o embaralhava, era mesmo seu?
. Porque, durante o voto, a posição de dar aulas de Direito a seus pares, muito mais lúcidos que ele próprio? Para ofuscar seus obscuros propósitos?
A interpretação mais plausível, contudo, é menos nobre: trata-se de manifestação da chamada ética de conveniência. Tal postura implica:
. Abdicar da solidariedade institucional;
. Abdicar do corporativismo (perdoável pelo risco de vida)
. Abdicar da coerência lógica?
Suponhamos que da posição desse magistrado se extraísse uma jurisprudência, cujo resultado seria a absolvição de todo réu que conspirasse contra a vida de um juiz.
Para ser coerente, tal entendimento deveria aplicar-se inclusive ao caso em que a vítima fosse o próprio julgador.
O mais provável, entretanto, vindo deste rábula, seria a introdução de uma cláusula de exceção: "aplica-se a todos, exceto a mim".
Tal formulação não constitui Ética em sentido jurídico-filosófico, mas sua negação. Trata-se de distorção utilitarista, incompatível com os princípios de isonomia e imparcialidade
que regem o Direito. A chamada ética de conveniência não é senão a institucionalização da hipocrisia.
O que um juiz de colegiado precisa ensinar aos seus pares não é Direito, uma matéria mais que conhecida para os presentes, como fez. A lição que se desejava ouvir seria de Ética.
Tudo o demais ou é o ridículo da vergonha alheia ou infantis piadas, com peruca esvoaçando ao vento.