Bilhete Urgente de Darcy Ribeiro

"Eu não tenho medo da morte. A morte é apagar-se, como apagar a luz.
Presente, passado e futuro?
Tolice. Não existem. A vida vai se construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O que está vivo vai adiante".

- Darcy Ribeiro
O Casamento entre Civilizações

Companheiros,

Escrevo-lhes do mato grosso da eternidade. Não o do mapa, mas o da metafísica antropológica, onde tudo vibra em ritmo de tambor e saudade.

Estou metido numa enrascada das boas. Coisa que não se resolve com tese nem com seminário. É caso de coração (e de flecha).

Explico: vim revisitar uma tribo que tanto me ensinou — achando que morto teria imunidade diplomática. Pois bem: acabei me encantando novamente. Não com os mitos — que ainda me arrepiam —, mas com a filha do cacique. Moça firme, olhos de rio, riso de fruta madura. Acordamos juntos com o canto dos pássaros e adormecemos sob o assovio dos grilos. Foi poético. Foi biológico.

Mas o cacique descobriu. E, meus amigos, não é homem de debates nem de assembleia. É do tipo que resolve no tacape. Disse que o “branco sabido” anda querendo virar genro. Mandou me chamar para uma “conversa”. A fogueira já foi acesa. A flecha está em posição horizontal.

Sei que sou Darcy Ribeiro — homem de grandes ideias, universidades e civilizações. Mas neste momento sou só um apaixonado em apuros. Um sociólogo encurralado. Um ex-ministro tentando negociar seu coração (e talvez sua vida).

Peço, portanto, que alguém venha. Com palavras, com argumentos, com oferendas. Ou ao menos com uma desculpa convincente.

Se me salvarem, prometo escrever um novo livro: “O Casamento entre Civilizações: Um Estudo de Caso (Urgente)”.

Do contrário, que reste ao menos este bilhete como testemunho do homem que tentou unir o saber e o prazer. E terminou virando churrasco cultural.

Darcy Ribeiro
(No além, cercado por índios e borboletas)