“Se o bandido ao menos respeita o jogo que joga, o estúpido o quebra — e acha que fez um favor.”
Disse-me um conhecido — homem de bigode fino e ideias mais finas ainda — que o mundo está cheio de canalhas. Concordei com a cabeça, mas não com a alma. Porque, veja bem, canalha de verdade tem método, intenção, cálculo. É canalha como quem assina contrato: por escolha, com cláusula de sigilo e opção de renovação.
Mas o que me assusta mesmo, caro leitor, é o outro tipo. O canalha que não sabe que é. O que destrói sem ganho. Que fura fila no banco e ainda sorri como quem acha que buzinar é civilidade. Que grita no plenário, atropela no trânsito, opina em voz alta e diz: “é minha opinião”. Como se a ignorância, exposta assim, merecesse medalha e não compaixão.
Carlo Cipolla, um historiador que teve a ousadia de aplicar inteligência em terreno hostil, chamou esse espécime de estúpido. E não por maldade — Cipolla era italiano, mas não era cruel. Ele só notou que há pessoas que causam dano aos outros sem ganhar absolutamente nada com isso. E o pior: ainda se prejudicam no processo.
Ora, meus amigos — isso não é só estupidez. Isso é canalhice transcendental. É a arte de sabotar sem plano, ferir sem razão e destruir com um sorriso de boa intenção. É o canalha versão beta, que ainda não aprendeu a lucrar com sua ruindade, mas já distribui os prejuízos com entusiasmo cívico.
Machado, se vivo fosse, talvez colocasse esse tipo na casa verde de Simão Bacamarte, entre um defunto autor e um seminarista que dorme em pé. Millôr, mais prático, talvez resumisse: “Esse aí não é mau caráter, é sem caráter mesmo — o que dá mais trabalho.”
E aqui estamos nós, cercados de canalhas que se acham mocinhos, estúpidos com diplomas, palpiteiros compulsivos que marcham pela história como quem varre um quarto escuro com vassoura quebrada.
Ao fim, me pergunto: qual é o mais perigoso — o canalha que sabe ou o canalha que crê estar salvando o mundo enquanto o incendeia?
Não sei. Só sei que ambos votam, opinam, educam filhos e ocupam cargos.
Cipolla — coitado — talvez tenha morrido achando que a estupidez era limite. Mal sabia que era só o começo.
A Estupidez segundo Cipolla, Bonhoeffer e Milgram
O italiano Carlo M. Cipolla (15/08/1922-05/09/2000) a descreve como uma força social destrutiva com leis específicas que explicam seu comportamento e impacto. O alemão Dietrich Bonhoeffer (04/02/1906 — 09/04/1945) analisa a estupidez como um fenômeno moral e político ligado à passividade e ao poder.
Ambos afirmaram que o estúpido é mais perigoso que o criminoso.
O americano Stanley Milgram (15/08/1933 - 20/12/1984) fez o experimento de obediência que revelou a tendência de indivíduos a obedecer a ordens de autoridade, mesmo quando essas ordens envolvem ações moralmente questionáveis ou prejudiciais. O experimento demonstrou que obedecer sem pensar não é virtude — é pavimentação para o inferno, versão Milgram e que a "estupidez" nesse contexto se refere à falta de questionamento ou reflexão sobre as consequências das próprias ações, especialmente quando sob influência da autoridade.
O experimento de Milgram, conduzido na Universidade de Yale em 1961, envolveu participantes que acreditavam estar aplicando choques elétricos em outra pessoa (na verdade, um ator) por cada resposta errada em um teste de aprendizado. Apesar dos gritos e sinais de sofrimento do "aluno", a maioria dos participantes continuou a aplicar os choques, seguindo as instruções do pesquisador, que insistia que eles continuassem.
A pesquisa de Milgram foi criticada por sua ética, mas seus resultados lançaram luz sobre a natureza humana e a influência da autoridade na tomada de decisões. A discussão sobre "a estupidez" no contexto do experimento de Milgram frequentemente se refere à falta de questionamento crítico e à tendência de seguir ordens sem considerar as consequências éticas.
Hannah Arendt, em sua análise do nazismo, também utilizou o termo "banalidade do mal" para descrever essa falta de pensamento crítico e responsabilidade individual, que se manifesta na obediência cega à autoridade.
Portanto, ao se referir a "Milgram, a estupidez", é importante entender que o termo não se refere a uma falta de inteligência, mas sim a uma predisposição para a obediência cega e à falta de questionamento crítico, que pode levar a comportamentos destrutivos.
Quanto a nós, engenheiros, achamos que os culpados pelo naufrágio são os canalhas e não os estúpidos, por serem 4 vezes mais.
Analise relação no capítulo seguinte considerando o coletivo dos canalhas (mensurável) e o dos estúpidos (indeterminado).