“O Estado sou eu.” — Luís XIV
“E o campo é nosso.” — Resposta apócrifa dos canalhas do século XX
Desde os primeiros impérios, a canalhice ganhou status oficial. O tirano vestia púrpura, mas governava com ferro. O Estado surgia como promessa de ordem, mas na prática era sócio majoritário do medo. A diferença entre um rei e um canalha era apenas o tamanho do palácio.
Alexandre chorava por não ter mais mundos para conquistar. César gritava “Tu também, Brutus?” enquanto morria cercado de senadores. E os inquisidores queimavam bruxas para purificar o reino — e agradar seus superiores. O trono sempre teve serventia dupla: trono para o governante e privada moral para a consciência coletiva.
No século XX, o canalha trocou a coroa pela farda e o cetro pela baioneta. De Hitler a Pinochet, de Stalin a Médici, a canalhice se organizou como Estado Moderno: com departamento de tortura, orçamento secreto e atas lavradas em sangue. Tudo dentro da legalidade, naturalmente.
O campo de concentração não é exceção: é a canalhice levada às últimas consequências. É o Estado dizendo: “você não pertence”, e providenciando o desaparecimento — com recibo carimbado.
O funcionário que selava o papel da deportação era um canalha? Talvez só cumprisse ordens. O que mata, porém, não é só o algoz, mas também o que carimba, entrega, digita, coordena, omite. O Estado moderno se tornou um condomínio de canalhas — onde a ética é opcional, mas o sigilo é obrigatório.
Hoje, a canalhice de Estado veste terno e adota slogans patrióticos. Em vez de campos, há presídios superlotados. Em vez de exílios, há favelas muradas. O trono virou cadeira giratória. O campo de concentração virou call center. Mas a lógica permanece: oprimir legalmente.
A História Universal da Canalhice de Estado é a história da legalização da covardia. Do uso da máquina pública como máquina de moer gente. E do silêncio cúmplice das multidões que, em nome da estabilidade, consentem com o horror.
"A canalhice, quando institucionalizada, passa a exigir crachá, carteira funcional e decoro."