A ciência da mente, essa que ora se veste de jaleco branco, ora de boina freudiana, já tentou nomear — e até medicar — o canalha. Nem sempre o encontrou. Ele escapa com a mesma destreza com que se esquiva de processos judiciais, de compromissos morais, ou da própria consciência. Mas quando a psicologia e a psiquiatria tentam descrevê-lo, o fazem por vias tortuosas: não se diz "canalha" nos manuais diagnósticos, mas fala-se de transtornos de personalidade, traços antissociais, narcisismo maligno, e, em casos extremos, psicopatia.
Antes de tudo, é preciso dizer: o canalha não está, necessariamente, doente. Ele sabe o que faz — e faz porque quer. Ele lucra, seduz, manipula. Tem plano. Tem método. Sua crueldade é funcional. É um operador moral, mas ao contrário.
O canalha não sofre com sua canalhice. Ao contrário do neurótico que se culpa, ou do deprimido que se sente vazio, o canalha se sente bem. Ele prospera. Suas dores são apenas quando é descoberto, nunca quando transgride.
Na linguagem psi, o canalha circula por várias categorias:
Esses traços compõem a Tríade Sombria da Personalidade (Dark Triad): narcisismo, maquiavelismo e psicopatia.
É raro o canalha procurar ajuda. Mais comum é procurar uma vantagem. Se vai ao divã, é para estudar o terapeuta, não a si mesmo. O canalha é o cliente mais perigoso do consultório.
Se chora, é cena. Se se confessa, é cálculo. Ele joga. E joga melhor que você.
Psicólogos evitam rótulos morais. Mas o canalha se beneficia desse pudor. Enquanto o terapeuta se abstém de julgar, o canalha abusa, sabota, mente.
Há uma ética do cuidado, sim. Mas também deve haver uma ética da denúncia. Não para punir, mas para proteger os outros.
O canalha pode ser pai, pastor, patrão. Não é uma classe. É um papel social. O canalha se exime de culpa e a transfere. Simula empatia enquanto mina o chão do outro. E, se preciso, chora. Chora bonito.
O canalha é o artista do sofrimento alheio.
A ciência pode não curá-lo. Mas pode nomeá-lo. E a linguagem é uma arma. Canalhas odeiam ser desmascarados. Vivem de fachada. E às vezes, o que separa o cidadão do carrasco é apenas o silêncio dos bons.
E o silêncio dos bons é o adubo preferido da canalhice.