Combate à Fome

Por Machado de Assis

Líderes mundiais

Psychographia do finado Machado de Assis, vinda do jazigo da Academia Brazileira de Lettras, no Cemiterio de São João Baptista (o metro quadrado mais caro da Republica), na cidade do Rio de Janeiro, onde jaz com sua esposa Carolina.

Ao Herbert José de Souza, o Betinho
—Que comia idéas, repartia pão e ensinava que amar é verbo que tambem se conjuga à mesa.

Breve Relação de Alguns Chefes, Políticos e Sacerdotes, que Entre um Banquete e Outro, Cuidam dos Famintos

1. Papa Francisco

Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, por alguns chamado o Papa dos Pobres
De hábitos modestos e sapatos velhos, Francisco passeia pela Christandade com um terço numa mão e um sermão na outra. Diz-se que tem horror a crustáceos e ao cheiro do oiro, e que sua ceia é pão e esperança. Aponta aos ricos o dever de repartir o pão — mas não exige que o façam, apenas supplica. Sua palavra, todavia, é mais lida que seguida.

2. Lula da Silva

Presidente do Brazil, operario de origem, palrador de profissão e agora tambem gourmet do social.
O Snr. Luiz Inácio tem nos labios a fome e no prato o feijão com arroz do povo. Criador de um tal “Fome Zero”, que ha quem diga ter morrido de inanição entre duas reformas ministeriaes. Ainda assim, a persistencia do homem, misto de tribuno e mascate, faz delle um dos poucos governantes que põem a fome em pauta — se não sempre no orçamento.

3. Antonio Guterres

Secretario-Geral das Nações Unidas, funccionario do mundo, só não manda onde o mundo tem sede ou pólvora
De falla mansa, olhar piedoso e vocabulario de diplomata, Guterres escreve relatorios onde se diz que a fome é um escandalo moral, uma vergonha global, uma tragedia annunciada e um disparate sem desculpa. Tantas palavras nobres dariam para alimentar um convento de frades, mas não convencem os que preferem gastar com mísseis a com milho.

4. Narendra Modi

Primeiro-Ministro da India, homem de barbas veneraveis e silêncios ensurdecedores
Mestre em rhetorica patriotica e festividades religiosas, o Snr. Modi parece crer que a fome será vencida por yoga e devoção. Promove arroz digital, subsidio espiritual e um nacionalismo vegetariano. A India alimenta satelites, mas seus camponeses ainda passam o dia com lentilhas e saudade.

5. Xi Jinping

Senhor da China, presidente vitalicio por conveniencia, e dono do maior talher do mundo
Commandando um imperio de arroz e algorithmos, o Snr. Xi assegura que a fome foi abolida por decreto. Mas nas provincias do interior ainda ha tigellas vazias e esperanças magras. Seu combate à fome mistura drones, quotas e silencio — especialmente o silencio dos que desejam fallar della.

6. Joe Biden

Presidente dos Estados Unidos, velho conhecido da sopa e do Senado
O Snr. Biden fallava comovido dos “valores americanos” — mas o valor do milho na Bolsa o comove mais. A cada inverno congella bilhões para a guerra e migalhas para a fome. Na America, o combate à fome é terceirisado: fazem-no as igrejas, os rappers, e as crianças com caridade no recreio.

7. Muhammad al-Tayyib

Imã da Mesquita de Al-Azhar, auctoridade em jejum e generosidade
Homem de semblante nobre e sermões escandidos, defende a caridade como pilar do Islão. O Ramadã ensina a fome, mas é o Zakat (esmolla) que deveria apagá-la. Resta saber se os sheiks do petroleo ouviram seu chamamento ou se o confundiram com o murmurio do vento do deserto.

Dos Magnates da Philanthropia

8. Bill Gates

Malthus às avessas, senhor de microchips e mosquito, distribuidor de vaccinas e milho
O Snr. Gates, reformado dos circuitos, busca nos campos da caridade uma nova startup: a erradicação da fome. Crê que a fome é um bug, e tenta corrigi-la com logistica, fertilisantes e relatórios. Seu pão é technico, seu azeite digital. Ha quem diga que pretende salvar o mundo — ou ao menos vendê-lo melhor alimentado.

9. Howard Buffett

Filho de Warren, herdeiro do milho, amigo dos tractores e das granjas do Sul
Com chapeu de palha e coração de ceifeiro, Howard crê que o mundo se conserta com enxada. Financia sementes, irrigações e projectos de solo. Sua guerra é agricola, sua diplomacia é de arado. Em suas fazendas de África, planta-se esperança e colhe-se estatistica.

Epilogo breve, mas não menos triste

O combate à fome, como os romances por correspondencia, vive de promessas e raramente chega ao altar. Ha na Terra trigo sufficiente para todos comerem, mas as moedas, como as andorinhas, voam para o Norte.
Os senhores do mundo banqueteiam-se em fóruns, simposios e cúpulas — onde a unica cousa magra é o resultado.
Enquanto isso, a fome — senhora esquálida, mas persistente — continua a bater à porta dos que não têm porta.

“Dictado por alma boa. Copiado por mão de homem. Corrigido por Machado.
Rio de Janeiro, Cemiterio de São João Baptista, Julho de 2025
— M. de A.”>/i>


Ilustração sarcástica dos males das fakenews

Combater a fome é firmeza moral e esperança de um mundo melhor