Psicanálise da Canalhice Cotidiana

Freud não explica tudo. Mas ajuda a entender por que o canalha age como age — e por que, no fundo, todos temos um pequeno canalha adormecido, pronto para despertar num engarrafamento.

1. O canalha como criança mimada mal resolvida

Na infância, queria tudo para si: o brinquedo, o colo, a última bolacha. Na idade adulta, deseja o mesmo — só que agora com CPF, poder de voto e, às vezes, um cargo público.

2. O superego substituído por conveniência

Freud falava da tensão entre Id (instinto), Ego (realidade) e Superego (consciência moral). O canalha resolve fácil: sufoca o Superego com desculpas como “todo mundo faz”, “ninguém viu”, ou “é só desta vez”.

3. A inveja como motor secreto

O canalha não suporta o sucesso alheio. Seu gozo maior é impedir que o outro cresça, mesmo que isso o atrase também. Freud chamaria de pulsão destrutiva. Nós chamamos de recalque institucionalizado.

4. A racionalização como defesa de canalha

Rouba, mas faz. Engana, mas é “esperto”. Comete abusos, mas “foi provocado”. O canalha justifica tudo com lógica de camelô: "se não for eu, é outro".

5. O prazer perverso da impunidade

Há algo orgasmicamente narcisista na sensação de escapar ileso. O canalha vive em êxtase moral: quanto mais se safar, mais se sente um eleito da esperteza divina.

6. A identificação projetiva reversa

Freud talvez ficasse confuso, mas Lacan teria um orgasmo teórico: o canalha projeta sua culpa no outro e se sente limpo. Se todos são sujos, ninguém é. Daí sua obsessão em apontar o dedo.

7. O canalha como neurótico bem-sucedido

É obsessivo com dinheiro, controlador com o tempo dos outros, paranoico com a própria reputação e histérico quando questionado. O que o difere do neurótico comum? Tem sucesso político, financeiro ou empresarial.

8. O gozo como política pública

O gozo do canalha é erigir sua pulsão como modelo. Se pode furar fila, por que não? Se pode comprar vantagem, por que não? E, pior, transforma isso em exemplo para os filhos, os eleitores e os estagiários.

"A canalhice cotidiana é o inconsciente coletivo da modernidade: age quando ninguém olha e governa quando todos aplaudem."