Freud não explica tudo. Mas ajuda a entender por que o canalha age como age — e por que, no fundo, todos temos um pequeno canalha adormecido, pronto para despertar num engarrafamento.
Na infância, queria tudo para si: o brinquedo, o colo, a última bolacha. Na idade adulta, deseja o mesmo — só que agora com CPF, poder de voto e, às vezes, um cargo público.
Freud falava da tensão entre Id (instinto), Ego (realidade) e Superego (consciência moral). O canalha resolve fácil: sufoca o Superego com desculpas como “todo mundo faz”, “ninguém viu”, ou “é só desta vez”.
O canalha não suporta o sucesso alheio. Seu gozo maior é impedir que o outro cresça, mesmo que isso o atrase também. Freud chamaria de pulsão destrutiva. Nós chamamos de recalque institucionalizado.
Rouba, mas faz. Engana, mas é “esperto”. Comete abusos, mas “foi provocado”. O canalha justifica tudo com lógica de camelô: "se não for eu, é outro".
Há algo orgasmicamente narcisista na sensação de escapar ileso. O canalha vive em êxtase moral: quanto mais se safar, mais se sente um eleito da esperteza divina.
Freud talvez ficasse confuso, mas Lacan teria um orgasmo teórico: o canalha projeta sua culpa no outro e se sente limpo. Se todos são sujos, ninguém é. Daí sua obsessão em apontar o dedo.
É obsessivo com dinheiro, controlador com o tempo dos outros, paranoico com a própria reputação e histérico quando questionado. O que o difere do neurótico comum? Tem sucesso político, financeiro ou empresarial.
O gozo do canalha é erigir sua pulsão como modelo. Se pode furar fila, por que não? Se pode comprar vantagem, por que não? E, pior, transforma isso em exemplo para os filhos, os eleitores e os estagiários.
"A canalhice cotidiana é o inconsciente coletivo da modernidade: age quando ninguém olha e governa quando todos aplaudem."