Cena (contexto)
Tempo histórico: época em que senhores feudais reclamavam direitos como o droit du seigneur (direito feudal medieval que dava ao senhor o direito de passar a primeira noite com a esposa de seu vassalo ou servo na noite de seu casamento). A intenção é analisar como o mesmo episódio é tratado dramaticamente no teatro falado e na ópera cantada.
Descrição
Estamos nos aposentos de Fígaro, ainda pouco mobiliados. Susana experimenta um chapéu em frente ao espelho; Fígaro mede o aposento com o cuidado de quem quer encaixar a cama presenteada pelo conde. Enquanto mede, responde a Susana em dueto falado — alternando números contados: "Cinque, dieci, venti, trenta". Explica que procura o lugar certo para a cama de núpcias; Susana recusa o quarto — pois é muito próximo aos aposentos do Conde e da Condessa. Discutem a inconveniência: em poucas passadas a autoridade masculina poderia estar à porta. Susana revela o assédio do Conde e o desejo deste de reimplantar prerrogativas feudais; Fígaro reage, entre espanto e furor. Susana sai para atender à Condessa.
TEATRO
TEREZA: (Experimentando a flor de laranjeira). Ouve Fígaro, noivinho querido; fico bem assim?
PAULO: Linda, meu amor; essa flor de laranjeira em tua fronte, na manhã de nossas núpcias, é uma visão de doçura e encanto para o teu esposo enamorado. (Beija-a e continua a medir.)
TEREZA: -Que é que você tanto mede?
PAULO: - Estou vendo se a magnífica cama que o conde nos deu de presente cabe aqui.
TEREZA: - Neste quarto?
PAULO: - Ele também nos deu este quarto.
TEREZA: - E quem vai dormir aqui? Eu não!
PAULO: - Pela virgem! As pessoas que não ambicionam nada e não arriscam nada, não servem para nada! Este é o quarto mais confortável do palácio. Está junto aos aposentos do conde e da condessa.
TEREZA: - Mas se de manhã cedo ele te manda levar um recado longe — zás! — três saltos e está na minha porta; crac! — um salto e está na minha cama.
PAULO: - Que queres dizer com isto?
TEREZA: - Que o conde, farto de namorar outras, deseja voltar para o castelo... não para o seu quarto, compreendes? (Cara espantada de Fígaro.)
PAULO: - Tu pensavas, meu divino amor, que o dote que ganhamos foi por tua bela cara? (Cara imbecil de Fígaro.)
TEREZA: - O dote foi para que eu cedesse ao conde um pequeno quarto de hora; o direito das primícias dos antigos senhores!
PAULO: - Mas isso foi abolido! Se não fosse abolido, eu não me casaria aqui.
TEREZA: - Pois bem, aboliu, e desaboliu. E é com a tua noivinha que deseja restabelecer a lei. PAULO: - Assim o libertino deseja hoje o que a cerimônia só permite a mim amanhã? Sacripante! E eu o surpreendi no quarto de Frasquita!
TEREZA: - Se não foste tu a ser surpreendido.
PAULO: - Sinto estalar a testa de raiva! (Mão na testa.)
TEREZA: - Não digas a ninguém! Os agoureiros dirão que isso é...
PAULO: - Tu te ris? Pois bem! Vou enganar o enganador e usar os chifres que me deu. Vem cá, dá-me um beijo para aguçar meu engenho. (Beijam-se; ela sai.)