Este capítulo explica, da maneira mais simples possível, um dos segredos mais impressionantes da música clássica: como um único instrumento pode tocar duas ou mais linhas melódicas ao mesmo tempo. Para entender Bach, para ouvir Bach, e até para gostar de música clássica em geral, este ponto é fundamental.
Em música, chamamos cada linha independente de voz. Uma voz é uma melodia completa, com vida própria. Em Bach, é comum termos 2, 3 ou 4 vozes acontecendo simultaneamente. E sim: às vezes um único instrumento sustenta duas vozes sozinho.
O violino tem apenas quatro cordas, mas Bach descobriu que era possível fazê-lo cantar como se fossem duas pessoas diferentes. Ele usa três técnicas simples:
O melhor exemplo, e também o mais claro, é a: Fuga da Sonata para Violino Solo Nº 1, BWV 1001.
Em muitos trechos o violino possui:
• uma voz cantada (tema da fuga)
• e outra voz de acompanhamento feita de notas alternadas
Você poderá ouvir facilmente duas melodias simultâneas, ainda que apenas um violino esteja tocando.
O teclado permite algo ainda mais espantoso: manter três ou quatro vozes independentes ao mesmo tempo. Cada mão pode tocar duas vozes: uma mais grave, outra mais aguda.
O exemplo mais didático é a: Fuga em dó sustenido menor, BWV 849 (Cravo Bem Temperado I).
Ela tem quatro vozes contínuas. Ouvindo com atenção, você percebe:
Não importa se você interromper a música em qualquer ponto: o acorde vertical estará completo. Este é o “milagre” do contraponto de Bach: a multidão horizontal de melodias forma, a cada instante, um edifício vertical perfeito.
Se o objetivo é mostrar a persistência contrapontística de forma evidente, nada supera: A Arte da Fuga, BWV 1080.
São quatro vozes ininterruptas, claras como linhas de arquitetura: baixas, médias e agudas.
Aqui o aluno enxerga que cada voz é uma “pessoa” com opinião própria, mas todas obedecem a uma regra maior — o tema da fuga — como monges seguindo uma mesma oração.
Para quem ainda duvidar que um instrumento possa carregar várias vozes:
Se o ouvinte perceber pelo menos duas linhas vivas e independentes, a prova está feita. O objetivo deste capítulo não é transformar ninguém em músico, mas ensinar um tipo de escuta que multiplica o prazer. Sem essa chave, Bach soa complicado; com ela, Bach se ilumina.
E como isso muda a audição?
Porque a música clássica, em grande parte, é “tecida” com vozes múltiplas.
Aprendendo a ouvir duas, você aprende a ouvir três, quatro e até mais.