Machado de Assis

Pergunta

Seria possível corrigir e reescrever o texto a seguir no estilo de Machado de Assis?

 

Resposta

Dir-me-ão, talvez com ligeiro sorriso de canto de lábios, que é pretensão ousada, quase insolente, querer exercer-me em imitar o mestre Joaquim Maria. Ora, se insisto nesta empreitada, rogo ao leitor que me tolere as inevitáveis falhas, pois até o mais sensato dos mortais tropeça ao imitar o génio alheio.

Não ignoro que Machado de Assis é o farol maior da nossa literatura: há quem o erija ao panteão dos deuses, quem o proclame o maior de todos. Eu, contudo, proponho livrá-lo desse "um dos", e antes do convívio de Fernando Pessoa, celebrá-lo como o príncipe da prosa e do verso. Parecerá absurdo? Pois consideremos seu exclusivo talento, semelhante ao de Michael Jordan em quadra - quantas cestas perdeu? Mais de nove mil. Quantos arremessos decisivos falhou? Quase trezentos. E ainda assim continuou, até tornar-se ícone. Se falhar é humano, persistir torna-se triunfal.

Mas voltemos ao nosso Machado. Enumeram-lhe qualidades: objetividade, profundidade, crítica social, sarcasmo, humor, perfeição gramatical, ironia, criatividade, empatia, ceticismo. Dentre todas, esta última resplandece como talismã. O Houaiss define-a como "doutrina da dúvida permanente", e por extensão, descrença. Não é mero ornamento: é espírito que permeia toda sua obra.

Sabemos que, homem negro, neto de escravos, gago e epiléptico, Machado trazia consigo a consciência de cada limitação - fama, cor, corpo. Pergunto-me, em suas longas noites, se não terá chamado a Pallas Atena para que lhe sopre a fórmula mágica: "Para ser grande, sê inteiro. Como a lua, que em cada lago brilha, porque alta vive." Eis o segredo: ceticismo absoluto, não apenas no enredo, mas na escolha de narrador, no uso dos adjetivos, a ponto de criar narradores tão duvidosos quanto encantadores.

Narrador não confiável, em primeira pessoa, eis a lâmina que corta a armadura da presunção. Brás Cubas faz-se defunto e deixa-nos a alma à deriva; Bentinho, em Dom Casmurro, hesita, questiona a própria memória, duvida de Capitu como quem duvida de si mesmo. Até Rubião, em Quincas Borba, é conduzido pela ironia e pela loucura. Assim, Machado tece uma sinfonia de incertezas, ora Mozartiana em notas rápidas, ora Bachiana em contrapontos persistentes.

Certo estudioso catalogou tipos de narradores falhos: o pícaro, o louco, o bobo, o inocente, o mentiroso. Em Machado os encontramos todos, mesclados - ora o bobo que faz chacota das convenções; ora o louco que, num delírio racional, descobre a insanidade do mundo; ora o mentiroso, cujo engano é verdadeiramente humano.

Eis por que a leitura de Machado requer mais que simples olhos: exige o espírito atento, pronto a perceber os recados de ironia, o riso de canto de boca, a armadilha do elogio que afinal se revela severo julgamento. A empatia do narrador sussurra ao leitor: "Confie em mim, mas desconfie de tudo o que digo."

Portanto, se quiserem medir-lhe a grandeza, pesem, sobretudo, o ceticismo que se ergue em cada página. As demais qualidades - o humor, a ironia, a criatividade - são irmãs de sangue dessa dúvida essencial. Machado não se deixa aprisionar pela segurança de um enredo linear: antes, conduz-nos numa dança sutil entre certeza e sombra.

Se, meu caro leitor, busca apenas traição, recorra a Basílio ou a Anna Karenina; se almeja sofrimento, Raskólnikov e seu Crime e Castigo o aguardam. Mas se deseja contemplar a fruição da incerteza - esse deleite aristocrático -, entregue-se a Machado. Tomai assento à sua mesa diplomática, onde cada palavra é convidada - por vezes gentil, por vezes cortantes - a dançar no salão de suas reflexões.

Finalizo, pois, esta humilde homenagem: reconhecer é só o mínimo que podemos fazer. Afinal, como dizia o próprio Machado em Carnival, "A velhice é como tudo: serve ou não serve, conforme o uso que se faz dela." E, no uso de nossa literatura, nada mais fecundo do que cavalgar na sela do ceticismo, com Machado de Assis como guia e companheiro - esta, sim, a sua majestade.