Ética na Cobrança dos Serviços Extra Contratuais


Seja esperto e sutil sem ser desonesto. Se a cobrança dos serviços extracontratuais requer perspicácia e inteligência dispensa a velhacaria, como outra qualquer atividade atual. Em nossos dias a Ética está se transformando em um valor real tanto às empresas quanto aos profissionais. Se antigamente não era levada em conta e quase recentemente foi tratada sem seriedade, hoje está valendo dinheiro, por ninguém mais fazer negócios que a excluam. A Lei de Gerson perdeu o encanto.
Com a frase de efeito estrategicamente colocada na abertura para encorajar os puristas à leitura de nossa exposição, abrimos parênteses para referenciar ao nosso parceiro ocasional e ao texto: o primeiro a abordar de frente um assunto maldito após Maquiavel ter concebido seu transparente O Príncipe, ser mal interpretado e tão injustamente difamado.

Enquanto que os serviços normais da obra estão restritos a uma lucratividade achatada pelas leis da concorrência, o faturamento dos serviços extracontratuais se resume muitas vezes à venda de papel ou de ideias, desatreladas das despesas da obra.
Imaginando-se, neste caso, uma obra que proporcionasse 3% de lucro líquido (interesse mor das empresas), e que seu faturamento com os serviços adicionais fossem também de 3%, seu resultado financeiro teria sido duplicado, exatamente como se uma segunda obra de igual valor fosse contratada e executada.

Por outra lado os serviços adicionais efetivamente executados e que por alguma razão não fossem medidos acarretariam despesas que recairiam também diretamente sobre o lucro previsto, podendo, se vultosos, tornar uma obra deficitária, ou vã.
Qualquer destes 2 casos extremos permitem-nos deduzir que os Serviços Extras não podem, de maneira alguma, serem desprezados. Temos argumentos ainda mais significativos, entretanto.

Não há dúvida que 3% é uma questão vital no resultado de uma obra. É também do conhecimento de todos, e é bastante natural, que grande parte das construtoras detêm um capital muitas vezes bem próximo, ou até inferior ao do valor da obra que executa, sendo estes 3% questão de vida ou morte para a própria Construtora, e em consequência para todos seus funcionários. Já para o Cliente, um acréscimo desta ordem no valor final da obra poderá não ser tão significativo. A própria Lei 8666 prevê um máximo de 25%. Por quê, então, uma reação tão forte contra os serviços adicionais?

Mudemos agora para o lado da mesa onde se posiciona o Cliente, ou a Fiscalização, que irá concordar, aprovar e medir estes serviços adicionais, e analisemos o que se  passa com eles.

O que está acontecendo é que a aprovação dos mesmos, e isto é vital em nossa argumentação, é um encargo pessoal do Fiscal baseado principalmente em seu próprio senso de justiça (e Ética) e convicto, quase sempre, de estar colocando sua posição em risco dentro do órgão que representa.

Não são muito santinhos, embora. Muitos clientes, inclusive órgãos estatais, adotam as técnicas das construtoras para também fazer seus próprios estudos e levantamentos, e reduzir as medições a título de “Serviços não Executados”, irmãos bastardos dos serviços que estamos nos referindo.

Bem, as cartas estão postas e já podemos dar início ao empolgante jogo, que na verdade é a antiga e maquiavélica quebra-de-braço em que sairá vencedor quem for mais competente em sua área.

Os Serviços Adicionais sempre existem. O projeto é incompleto, as alterações de projeto são inevitáveis, o Edital deixa brechas, a Planilha de Serviço é insuficiente para espelhar toda a obra e o Cliente, empolgado, sempre estará querendo ampliar o escopo dos serviços.

De um lado o Engenheiro Residente, com os brios de Salvador da Pátria e o compromisso de evitar o conflito com o Cliente, e do outro lado o Engenheiro Fiscal, inflexível e ressabiadíssimo por natureza, e tentando defender sua própria pele.

Quanto a nós, estaremos fora disto. É coisa pra gente grande, com mais de 2m de altura. Tentaremos tão somente estabelecer regras de Ética e de conduta, ou dar dicas ao Engenheiro Residente (a plenos pulmões, que não cometeremos a imprudência de trairmos a Fiscalização) para que não faça um trabalho porco.

Sua missão será a de cobrar, faturar e, apesar disto, agradar. Não é impossível.

Lembre-se durante todo o tempo que o conflito irá macular a imagem da Empresa. Saiba, entretanto, que o medo de reivindicar irá macular mais ainda, além de denegrir sua própria imagem, sujeitar a Empresa a cortes nas medições (como no futebol, quem não marca, leva), e abrir suas guardas à Fiscalização em todos os níveis da obra. Ou ainda, por pior que seja a imagem que você eventualmente fizer se passar mesmo cometendo algum erro, não será pior que a de cagarolas.

Use a camisa de sua Empresa e assuma em nome dela todas as reivindicações. Estas, deverá ficar claro, partiram de iniciativa e obrigações suas e não de sua Empresa que permanecerá acima de todas as picuinhas. Agindo assim, você estará também se colocando de igual para igual com quem irá aprovar as reivindicações. Estará também dando maior força ao babaca de seu chefe, para se manter fora e acima das negociações e só interferir em caso de alguma contenda mais difícil, apoiando-o.

Mantenha-se convicto do que está reivindicando e não poupe argumentações e esforços, insistindo sem ser chato.

Não será faz-de-conta: com a posição assumida e sua persistência nela, seu cargo ficará também em jogo como estará imaginando seu opositor sobre o dele. Não haverá, entretanto, maneira mais eficiente para sensibilizá-lo ou fazer com que leve a sério a sua causa.

Não julgue nem trate seu Cliente como ingênuo ou fraco. Negociações, como também os jogos de baralho, fazem com que se fique sabendo tudo o que está rolando dentro da cabeça um do outro.

Evite as falcatruas. Caso descobertas estarão desabilitadas todas suas demais reivindicação, além de comprometidas sua imagem e a da Empresa.

Evite a burocracia em suas reivindicações que elas irão trabalhar contra você. A palavra do Fiscal é suficiente e preferível aos boletos assinados.

Nunca force a barra. Não ameace e nem perca as estribeiras.

Não tenha receio de fazer teatro e apresente suas reivindicações como uma causa nobre.

Tendo que assumir algum papel prefira o menos polêmico ou irritante. Dê uma de “Inconformado” ou de “Justo” ou de “Guerreiro”. Jamais queira passar-se por “Santinho” ou “Magnânimo”, incompatíveis com sua causa.

Hora de ceder, ceder. Não se preocupe com valores. Dê descontos. Aceite os cortes.

Fique preparado para perder. Mesmo contra sua lógica, poderá haver argumentações imbatíveis.

Faça seu plano de ação, e venda sua ideia a todos os envolvidos de sua empresa. Vá com tato. Algumas empresas dificultam e reagem contrariamente às reivindicações até mais que os próprios Clientes.

Estabeleça metas como, por exemplo, um percentual da obra a ser atingido.

O ideal nas reivindicações é ter o Cliente jogando do seu lado e assumindo suas causas. Como isto raramente acontece, algumas leis deverão ser observadas por nunca variarem:

A primeira cobrança é a mais difícil e abrirá campo às demais, assim como a primeira negativa propicia serem relegadas todas as demais ao esquecimento. Assim, não faça placidamente o primeiro serviço adicional solicitado verbalmente pela Fiscalização sem antes referir-se à sua cobrança e, caso não tenha sentido firmeza quanto ao seu recebimento, crie um mínimo de dificuldades para executá-lo.

Jamais são pagas reivindicações postergadas para o final da obra, documentadas ou não.

Aprenda a detectar serviços passíveis de reivindicações, a condição primeira do processo.

Seja transparente e abra o jogo ao Fiscal. Informe com antecedência que irá reivindicar e o objeto da reivindicação. Mostre-lhe sua correspondência sobre a reivindicação antes de encaminhá-la. Peça sugestões.

Esclareça ao Cliente que o lucro é parte natural do processo. Muitos não entendem ou aceitam isto.

Peça apoio, se necessário. Utilize seu chefe quando estiver muito difícil o consenso. Utilize-o entretanto somente se este tiver ideias compatíveis com as suas e a camisa que defende não for a do próprio cargo.

Redija suas correspondências com muita clareza e como se estivesse se portando a um Juiz do Tribunal que fosse julgar a procedência da solicitação. Sua correspondência terá melhor aceitação.

Exponha suas razões e as memórias de cálculo clara, convincente e detalhadamente: o Que está sendo cobrado, como está calculado e o motivo de cada cobrança.

Não diferencie serviços extras de serviços adicionais, ou acréscimos de erros de projetos, ou as reivindicações do Cliente com as suas próprias.

Lembre-se que é mais provável orçar a menor uma obra que a maior, pois do contrário a concorrência não seria ganha.

Quem gera a documentação é extremamente otimista, julgando que projetos, editais e memoriais descritivos são completos.

Os preços dos serviços adicionais não necessitam ser os mesmos que os dos serviços normais, já que estes não estão sujeitos as regras de fogo das concorrências e, principalmente, as condições do momento deverão ter mudado para pior devido a inflação, juros, imprevistos, etc.

Lembre-se que as pessoas estão dispostas a pagar mais caro por produtos oriundos de empresas éticas. Venda a imagem da sua como uma grife.

Somente em último caso queira cobrar serviços adicionais causados por erro da Fiscalização em campo, para não comprometê-la ainda mais com escândalos.

Evite cobranças a maior a título de “oportunidade ao Cliente para cortar” pressupondo que este sempre estará cortando parte de suas reivindicações para mostrar serviço. Isto só irá fazer com que ele afie cada vez mais sua tesoura

Seja técnico antes que político. Detecte o serviço que realmente justifique a reivindicação. As possibilidades são muitas e sempre maiores as chances de os orçamentos estarem a menor.

Nunca demande. Cliente demandado é Cliente perdido.

Não se sinta culpado ou desonesto com este trabalho. Também não se vanglorie.

Deixe abertas as possibilidades para o Cliente contratar outros empreiteiros para execução dos serviços extras, independentemente de ser isto conveniente ou não para ele.

Jamais adule o Fiscal por conta dos serviços extras, que ele poderá recrudescer (caso esteja pensando em maracutaia os procedimentos serão diferentes dos aqui expostos). Todos seus atos e reivindicações escritas deverão ser conduzidos para que não fique subentendido de nenhuma forma que o reembolso tenha sido mediante pagamento de propinas.

Deverá ser desnecessário e é contraindicado (embora não seja proibido) o processo utilizado por “Influentes” de afastar o Fiscal que cria muitas dificuldades para aprovar suas reivindicações, utilizando seus altos contatos dentro do próprio Órgão responsável pela obra.

Planeje a negociação determinando os objetivos. Geralmente há vários objetivos em jogo. Organize-os por ordem de prioridade e determine para si próprio quais são negociáveis e quais não entram sequer em discussão. Defina também claramente o que está disposto a ceder e a não ceder.

Escute com atenção e não interrompa a outra parte.

Deixe espaço para manobras e concessões.

Nunca diga ‘nunca’. Dedique tempo para negociar e pensar nas coisas.

A intimidação ataca a sua autoconfiança. Mantenha-se firme na sua posição.

Reaja positivamente e com entusiasmo às propostas construtivas da outra parte. Assim evita não só a crítica à sua contraproposta mas também que a outra parte se irrite.

As negociações giram em torno do princípio da troca: é preciso dar para poder receber. A chave para qualquer negociação é que cada uma das partes deve tirar vantagens das concessões que se fazem. Em princípio, negociar com êxito nunca deveria resultar num vencedor nem num perdedor. Ou ambas as partes obtêm um resultado satisfatório ou é um caso de fracasso.

Na mesa de negociação procure fazer com que o elemento ‘inflexível’ da sua própria equipe fique tão longe quanto possível do ‘inflexível’ da equipe do adversário.

Numa negociação é importante conhecer a outra parte, sua experiência, eventuais divergências de opinião entre os negociadores, conhecimento de causa, poder e influência, ou se estão sob pressão para chegarem rapidamente a um resultado.
Tente descobrir qual é a posição da outra parte: “O que acharia se … “.

 NOTA SOBRE O PARÁGRAFO: A Negociação, de grande importância na carreira dos engenheiros e dos príncipes, não está resumida ao texto acima e seu estudo deverá ser, de alguma outra forma, complementado.

Cinco são as partes do estudo retórico:
• a descoberta de argumentos
• o arranjo das ideias
• a descoberta da expressão apropriada para cada ideia
• a memorização do discurso
• a apresentação do discurso.

Prepare-se para reivindicar. Prepare-se antes para os argumentos genéricos iniciais. Na maioria das vezes a discussão é ganha nas preliminares, sem se levar em conta ou simplesmente passando por cima de suas razões.

Relacionamos alguns destes argumentos que invariavelmente lhe serão lançados para minar sua resistência e os contra-argumentos que você terá que rebater de bate-pronto.

Os argumentos:

“Toda obra tem desvios e estes já deveriam ter sido previstos no orçamento.”

“A mudança dos métodos construtivos é problema da própria construtora.”

“O Cliente tem sempre razão.”

“As modificações de projeto são naturais e inevitáveis. Quem trabalha em obra sabe disto.”

“No mínimo é um ato de irresponsabilidade querer faturar acima do previsto em contrato.”

“Simplesmente não pagamos serviços adicionais. Favor não insistir.”

E muitos outros do gênero…

E os contra-argumentos:

  • Não podemos arcar com gastos imprevisíveis e alheios ao nosso contrato.
  •  Oferecemos serviços com qualidade em troca de remuneração. Não oferecemos serviços de brinde.
  •  Se nossos orçamentistas considerassem todas as possibilidades ou variações que os serviços podem tomar, os preços seriam onerados e perderíamos a concorrência.
  •  O equilíbrio financeiro do contrato não pode ser desfeito em favor de uma das partes.
  •  Não há lei que obrigue o trabalho gratuito. Os peões irão querer seu pagamento no final do mês.
  • Eventuais erros de nosso orçamento nós já estamos assumindo. Não podemos é arcar com as omissões da planilha ou de um projeto incompleto.
  •  A culpa pelo surgimento dos novos serviços não é da Fiscalização e nem nossa. Vimo-nos na obrigação de executá-los por ser esta a nossa função. Receber pela sua execução é uma consequência.
  •  O contrato é leonino, a planilha é omissa e o edital tendencioso, e nossos orçamentistas não têm bola de cristal.
  •  Como representante da empresa não me sentiria digno abrindo mão do que lhe pertence

… Repita-lhe convicto a história dos 3% do início, para sensibilizá-lo.

A Matéria é complicadíssima, talvez a mais difícil nas obras. Requer técnica e minuciosidade para a detecção, jogo de cintura, criatividade, redação e leitura, conhecimento da obra, perseverança, tolerância e bom humor.

Ninguém aprecia os medrosos, nem os próprios medrosos. Nesta guerra de nervos prepare-se para tudo, ainda que seja para conviver com aquela estranha admiração que reciprocamente nutrem, nos calabouços, torturadores e torturados quando em disputa está a coragem de ambos. Concluída a obra seu laço de amizade com o Cliente ou com o Fiscal deverá estar fortificado, ou mais reto que pau de cabriteiro e mais firme que boca de bode.

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